domingo, 10 de fevereiro de 2008

NOÇÕES INTRODUTÓRIAS A MATÉRIA E CONCEITO DE CONSUMIDOR



CAPITULO I
NOÇÕES INTRODUTÓRIAS




1.- Breve escorço histórico

O direito, ciência dinâmica, oferece respostas à sociedade cada vez que esta se depara com novas situações. Pode-se argumentar que consumo sempre existiu. O homem nunca deixou de consumir, ao contrário, desde os primórdios da humanidade se pratica o comercio e portanto o consumo.

A esse respeito, pode-se afirmar que os Códigos de Hamurabi, de Manu e outros documentos legais da antiguidade dispõem sobre questões de consumo, embora o façam em situações especialíssimas e com soluções não muito elaboradas.

Com a revolução industrial permitiu-se a fabricação de bens de consumo em enormes quantidades, saindo da lenta e artesanal produção manufatureira (sec.XVIII), permitindo assim o acesso a um maior número de pessoas aos bens de consumo. Além disto, devemos destacar a concentração econômica ocorrida a partir do final do século XIX e que perdura até hoje, a qual possibilita maiores investimentos, a produção em massa e desenvolvimento de novos produtos. Criou-se, pois, um novo mercado de consumo em massa, surgindo, como conseqüência, problemas em larga escala, atingindo um maior número de pessoas.

Surge, pois, a sociedade de consumo. Não bastava mais simplesmente colocar grandes quantidades de bens e serviços no mercado, criaram-se novos sistemas de venda, de marketing, promoções, crédito acessível, enfim novos meios de relacionamento entre os que ofereciam e os que adquiriam, entre fornecedores e consumidores. Isto, claro, leva a novas figuras jurídicas, de tal maneira que os governos, antes alheios, passam agora a ser controladores destas relações por meio de tutelas específicas e cada vez mais fortes para manutenção do equilíbrio necessário.

Tomemos, por exemplo, o contrato de adesão, no qual o fornecedor impõe, unilateralmente, suas cláusulas e condições para o contrato. Por outro lado o consumidor se vê desprovido de maiores informações a respeito de seus direitos.

No Brasil diversos documentos legais, embora não versassem especificamente sobre consumidores, trataram o assunto. Podemos mencionar, por exemplo, o Código Comercial de 1850, o art. 1245 do Código Civil de 1916,o Dec. nº24.643, de 10/07/34 (art.157), o Dec. nº 2.676 de 04/10/40, a Lei Delegada nº 4 de 1962, Dec. Lei nº209 de 27 de fevereiro de 1967.

Finalmente em 1990 surge a Lei 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor, que é em si um microcosmos jurídico pois possui normas de direito material, de direito processual e até mesmo de direito penal.


CAPITULO II
CONCEITOS E PRINCÍPIOS



1.- Conceitos básicos

Alguns conceitos básicos devem ficar claros para que nos permitamos aprofundar no chamado direito do consumidor.

1.1.- Quem é, afinal, o consumidor ?

Em algumas legislações este conceito tem gerado enormes questões doutrinárias e jurisprudenciais.

Tentando fugir destas discussões o legislador brasileiro tratou logo de conceituar consumidor.

Art. 2º - Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único - Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Notemos que o Código Brasileiro não faz distinção entre pessoa jurídica[1] e física, desde que adquira ou utilize produtos ou serviços como destinatário final.

A Lei sueca , datada de 1973, define consumidor como :

A pessoa privada que compra de um comerciante uma mercadoria, destinada principalmente ao seu uso privado, e que não é vendida no quadro da atividade profissional do comerciante.

O Projeto de Código de Consumo francês, em seu artigo 3º define como consumidores :

As pessoas físicas ou jurídicas que compram ou se utilizam de bens e serviços para um uso não profissional

A Lei de Defensa del Consumidor argentina conceitua em seu art. 1º :

Se consideram consumidores ou usuários, as pessoas físicas ou jurídicas que contratam a título oneroso para seu consumo final ou benefício própio ou de seu grupo familiar ou social :

a) a aquisição ou locação de coisas móveis ;
b) a prestação de serviços ;
c) a aquisição de imóveis novos destinados à moradia, inclusive os lotes de terreno adquiridos com o mesmo fim, quando a oferta seja pública e dirigida à pessoas indeterminadas ;

Já na Espanha rege a matéria a Lei 26/84 ou Lei General para la defensa de consumidores y usuarios, a qual em seu artigo primeiro define :


2 Para os efeitos desta Lei são consumidores ou usuários as pessoas físicas o jurídicas que adquirem, utilizam ou disfrutam como destinatarios finais, bens móveis ou imóveis, produtos, serviços, atividades ou funcões, qualquer que seja a natureza pública o privada, individual ou coletiva de quem os produzem, facilitam, proveem ou expedem.

3. Não serão considerados como consumidores ou usuários quem sem constituir-se em destinatarios final, adquiram, armazenem, utilizem ou consumam bens ou serviços, com o fim de integra-los em processos de produção, transformação, comercialização ou prestação à terceiros.

Como pode ver-se, sempre há um elemento comum em destaque, o uso final. Nossa lei não divergiu e nossos tribunais têm reiteradas vezes decidido :

CAMBIAL - Duplicata - Compra e venda a consumidor - Alegação do adquirente de recusa de mercadoria por defeito - Pretensão à inversão do ônus da prova em face da relação de consumo - Desacolhimento, uma vez que a adquirente é intermediária e não destinatário final - Comprovação da entrega do bem - Validade da emissão das cártulas - Declaratória de inexigibilidade das cambiais, antecedida de cautelares de sustação de protesto improcedentes - Recurso provido para este fim.
(Apelação nº 727.850-8 - São Paulo - 2ª Câmara - 28/05/1997 - Rel. Juiz Salles de Toledo - v.u.)


Na verdade existem três teorias a respeito da conceituação de consumidor e, consequentemente, da aplicabilidade de normas de proteção ao consumidor.

A primeira, conhecida como finalista, aponta que somente podem ser considerados consumidores as pessoas físicas. Afirma ainda esta teoria que quando a lei se refere a pessoas jurídica o faz em relação às pessoas jurídicas sem fins lucrativos. Pessoalmente, acreditamos não estar correta esta interpretação pois quisesse a lei fazer distinção entre tipos de pessoas jurídicas o teria feito.

A segunda teoria, adotada pela maioria dos autores do anteprojeto do CDC, por alguns chamadas de teoria objetiva, explica que a pessoa jurídica (mesmo a que possui fins lucrativos) pode valer-se dos dispositivos do CDC, desde que o que esteja adquirindo (produtos ou serviços) não venha de nenhuma maneira integrar seu processo de produção[2]. Assim se compra matéria prima, uma máquina para a sua linha de montagem ou mesmo um computador para seu escritório não há relação de consumo, pois tudo isto integra sua linha de produção. Porém se a referida empresa adquire bens para sua linha de produção por imposição legal (equipamento de segurança obrigatório) haverá relação de consumo. Da mesma maneira se adquire produtos para atividades não finalísticas de empresa (por exemplo bens para a creche dos filhos dos funcionários).

Uma terceira tese é a que praticamente não restringe a existência de relação de consumo, sendo conhecida como teoria maximalista. Para esta teoria, excetuando os bens que serão destinados diretamente ao comércio (ou mesmo à intermediação de bens e serviços), tudo configura relação de consumo. Neste caso a compra de uma máquina para a linha de produção de uma fábrica gera relação de consumo mas não a compra de matéria prima que será transformada em produto para a venda. Esta teoria é conhecida como teoria maximalista.


Devemos ainda salientar que o Código de Defesa do Consumidor possui mais de um conceito de consumidor, os quais podem ser encontrados nos seguintes dispositivos :

a) art. 2º ;
b) art. 2º, parágrafo único ;
c) art. 17 e,
d) art.29.

[1] Também chamada por alguns doutrinadores de pessoa moral
[2] A esse respeito tem se manifestado a jurisprudência “Responsabilidade civil. Ajuizamento por pessoa jurídica. Fundamentação no Código de Defesa do Consumidor. Inadmissibilidade. Bem adquirido para ser aplicado na atividade empresarial. Qualidade de consumidor inexistente. Interpretação do art. 2º, da Lei Federal 8.078/90. Sentença confirmada” (JTJ – Lex 173/96).

Nenhum comentário: